segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Beleza Revelada

É só ter início as semanas de moda nacionais e internacionais, para que seja levantada a polêmica sobre os “ideais” de beleza nos dias de hoje.
Nesta matéria, faço uma reflexão sobre a beleza, seus rituais, padrões e mitos que provêm das mais antigas civilizações, trazendo-nos diferentes conceitos e costumes, que já atravessaram séculos de História.
Egito, Grécia ou Roma. Basta um mergulho em qualquer uma destas culturas, fazendo-se, por exemplo, uma visita às salas onde se encontram os utensílios e objetos do cotidiano remanescentes destas civilizações no Museu do Louvre em Paris, no Museu Arqueológico Nacional de Nápoles ou no Museu Arqueológico de Florença (possui o segundo maior acervo de arte egípcia na Itália, depois do de Turim), para percebermos onde estão enraizados nossos rituais e padrões de beleza. O que se revelará ali são objetos e hábitos de embelezamento que nos deixam perplexos pela sua sofisticação ou até mesmo pela sua “modernidade”.
São espelhos de bronze, estojos de pintura, jarras, instrumentos para maquiagem, faianças, paletas de pigmentos, que serviam para a toalete diária das mulheres destas sociedades de milhares de anos em seus banhos matinais, exfoliações, massagens com óleos vegetais, máscaras, maquiagem do corpo e rosto com cosméticos perfumados; que se seguiam de enfeites com perucas, adornos e jóias.


Bust of Queen Nefetiti, c. 1340 B.C.

A lendária Nefertiti, rainha egípcia da 18ª dinastia e que pertence a esse universo fascinante - com todo o seu charme e poder avassalador - teve a sua aparência documentada de várias formas que só evidenciaram estes hábitos e cuidados estéticos. A mais instigante, contudo, é um busto esculpido e pintado, descoberto em 1912, pelo arqueólogo alemão Ludwig Borchardt, e que hoje é exibido no Museu Egípcio de Berlim. Seu nome significava “a beleza chegou” e não é em vão que seu esposo, o faraó Akhenaton, mandou erguer colunas monumentais em sua cidade - Amarna - com palavras que demonstravam a sua adoração por ela e exaltavam a sua beleza. Nefertiti vestia coroas, perucas de cabelos ondulados e jóias, além de usar cosméticos para realçar a sua beleza natural. As egípcias apreciavam o contorno bem marcado dos olhos e costumavam desenhar uma linha preta grossa ao longo da pálpebra, que era associada à pureza ritual. Nas pálpebras, aplicavam uma pasta de malaquita verde.


Cleopatra testing poisons on condemned prisoners, Alexandre Cabanel, 1887.

Cleópatra, rainha que sucede Nefertiti séculos mais tarde, merece o seu papel de destaque. Era filha de Ptolomeu XII e uma das mulheres mais poderosas da história. Nunca poupou esforços para mostrar a sua soberania e usou muito da arte do embelezamento para seduzir e expandir o seu poder, tornando-se símbolo eterno da mulher fatal. Tomava banhos de leite de cabra, maquiava-se e ostentava inúmeras jóias, o que fez com que se transformasse em um mito incomparável. Seus olhos bem delineados tornaram-se a sua marca: aplicava o azul-marinho na pálpebra superior e o verde claro na inferior, além de usar o kajal para alongar as sobrancelhas. A aplicação de hena colorida nas unhas também fazia parte de seu ritual de beleza; e as perucas, muitas vezes continham cera perfumada para escorrer pelo corpo como um verdadeiro afrodisíaco. Embora descobertas recentes revelem-na não tão bela assim, conseguiu deixar registrada até no seu leito de morte a sua vocação para deusa, onde foi encontrada em roupas de rainha.
Das gregas, herdamos o ideal de beleza clássica, a harmonia das proporções, ainda perseguida pela maioria das mulheres. Elas não tinham a maquiagem como uma prática constante, mas não dispensavam os banhos e óleos perfumados, exercícios físicos, ungüentos aromáticos para proteger a pele e a aplicação de kajal nos olhos.



The Tepidarium, Théodore Chasseriau, 1853.

As romanas igualmente mantinham um cuidado rigoroso com o seu corpo que, em geral, se dava nas salas de banhos. Era um verdadeiro exercício de prazer, na companhia de amigas, como Pompéia nos revelou com tanto preciosismo. Aliás, isso já era comum entre as mulheres orientais, retratadas depois com toda a sua aura de sensualidade por pintores como Ingres e Théodore Chassériau, no séc. XIX. As jóias e a maquiagem também complementavam o seu ritual diário.
Estudos sociológicos já demonstraram que na origem do ato de vestir-se ou maquiar-se/ornamentar-se, mais do que se proteger, o ser humano busca comunicar-se com o mundo externo, transmitir mensagens, identificar-se, inserir-se na sociedade, muitas vezes desvendando ou dissimulando o seu poder em um determinado grupo social.
O fato é que, ao longo da história, essas ‘rainhas e deusas’ se transformaram em verdadeiros cânones de perfeição e continuam sendo ‘encarnadas’ por musas dos palcos, das telas e também das passarelas. Estas, por sua vez, mantêm como uma ‘bíblia’ o legado estético deixado pelas primeiras, que se alterna conforme a voga do momento.
A beleza, como nos mostra a história, tem tudo a ver com poder, sedução, prazer, satisfação e emoção. Seus padrões, contudo, variam em diferentes culturas ou épocas, não havendo um conceito único para o que é concretamente belo.
Em seu livro “O Retrato de Dorian Gray”, Oscar Wilde afirmou: “Dizem às vezes que a beleza é completamente superficial. Talvez. Menos superficial, em todo caso, do que o Pensamento. Para mim, a beleza é a maravilha das maravilhas. Só os espíritos levianos não julgam pelas aparências. O verdadeiro mistério do mundo é o visível, e não o invisível”.
Isso traduz perfeitamente o culto da beleza do corpo e a busca frenética “por padrões e imagem perfeitos”, através de todos os tempos.